Em junho de 2022, a atenção do mundo se concentrou brevemente na Nigéria, quando homens armados - supostamente pertencentes à Província da África Ocidental do Estado Islâmico (ISWAP da sigla em Inglês) - atacaram uma igreja no Estado Ondo, matando dezenas de Cristãos. O número oficial de mortos é de 40 pessoas, embora, segundo algumas estimativas, o número real de vítimas fatais possa ser superior a 50.
O massacre levou a um protesto internacional, com as Nações Unidas condenando “nos termos mais veementes o hediondo ataque”.
No entanto, embora este ataque tenha sido certamente horrível e incomum em uma área tão ao sul como Ondo, não foi um incidente isolado. No Cinturão Médio da Nigéria, a violência contra os cristãos é lamentavelmente comum. No mesmo mês da atrocidade de Ondo, pelo menos 35 Cristãos foram mortos em vários ataques em todo o Estado Kaduna, enquanto 37 foram massacrados em um único ataque em um domingo de manhã no Estado Benue.
“Em nosso país”, lamentou um líder da igreja de Kaduna, “a morte se tornou uma refeição diária”. As previsões sombrias de menos de dois anos atrás de “um genocídio Cristão” estão se mostrando angustiantemente proféticas.
Os extremistas Islâmicos operam além das fronteiras nesta região cada vez mais turbulenta. Os Cristãos também têm enfrentado a repressão violenta dos jihadistas nas nações ocidentais do Sahel de Burkina Faso, Mali e Níger. A África Ocidental é um campo de batalha chave no objetivo declarado do Estado Islâmico (EI– também conhecido como ISIS, ISIL, Daesh) na Islamização de todo o continente Africano.
O crescimento do Cristianismo
O Cristianismo está presente no norte (concentrado no Egito) e no nordeste da África (centrado na Etiópia) desde os primeiros séculos da era Cristã. Muitos dos primeiros líderes da igreja eram Africanos, incluindo os grandes teólogos Atanásio (de Alexandria no Egito) e Agostinho (de Hipona na atual Argélia).
No entanto, foi somente no século XV que o Cristianismo começou a estabelecer uma presença importante na África Ocidental após a chegada dos missionários da Europa, em 1420.
Uma figura chave foi Samuel Crowther, também conhecido por seu nome Ajayi, que nasceu no que hoje é o Estado Oyo, na Nigéria, por volta de 1809. Cristão convertido, ele foi chamado para servir em uma missão com a Sociedade Missionária da Igreja Anglicana no que hoje é o Cinturão Médio Nigeriano, em 1841. Ele foi ordenado posteriormente e começou uma nova missão no que hoje é o sudoeste da Nigéria, em 1843. Crowther traduziu a Bíblia e o Livro de Oração Comum para sua língua materna, o Iorubá. Em 1864 ele foi consagrado como Bispo da África Ocidental.
A atividade missionária acabou dando muitos frutos no sul da Nigéria, com muitos convertidos entre aqueles que anteriormente haviam seguido várias práticas espirituais animistas (agora chamadas de religiões tradicionais Africanas).
Em meados do século XX, os nacionalistas anticoloniais na África passaram a ver o evangelismo e as atividades missionárias conduzidas pelos Europeus como uma forma de submissão colonial. Tais acusações não eram necessariamente justas. A administração colonial Britânica na Nigéria, por exemplo, muitas vezes não apoiava as atividades missionárias; os missionários eram impedidos de evangelizar o Norte.
Os missionários Europeus procuraram orientar a Igreja Nigeriana a se tornar autogovernada, autossustentada e autopropagadora. Quando a Nigéria obteve a independência em 1960, a Igreja era inequivocamente Nigeriana, e o sul da Nigéria era quase completamente Cristão.
No entanto, extremistas Islâmicos, defensores da preservação das religiões tradicionais Africanas e anticolonialistas argumentam que o Cristianismo é uma importação Ocidental, um resquício dos dias do imperialismo e da subjugação. Os Cristãos podem, portanto, ser objetos de desconfiança e suspeita por suas supostas ligações com o Ocidente.
Islamismo na África Ocidental
Durante todo o período do trabalho missionário Cristão e até hoje, o norte da Nigéria tem permanecido fortemente Islâmico. O mesmo ocorre com Burkina Faso, Mali e Níger, todos estes, parte do Império Francês desde o final do século XIX até meados do século XX. Estima-se que 30% da população de Burkina Faso seja Cristã, e apenas 2% da população do Mali; no Níger e no norte da Nigéria, este número pode ser inferior a 1%.
O Islã está presente na região desde o século VIII, ligado ao comércio entre o Magrebe de maioria Muçulmana (Mauritânia, Marrocos, Argélia, Tunísia e Líbia) e a África Ocidental subsaariana. No início do século XIII, o Império de Mali (incluindo o atual Senegal, Guiné e partes da Mauritânia, bem como Mali) reconheceu o Islã como sua religião do estado. As práticas Muçulmanas eram frequentemente combinadas com as tradicionais práticas Africanas.
O século XIX marcou uma mudança de direção em relação a esta combinação sincretista. Esta mudança foi exemplificada pela jihad combatida por Usman dan Fodio, um estudioso Islâmico da etnia Fulani de maioria Muçulmana, que durou de 1804 a 1808. Dan Fodio derrubou os governantes tribais da etnia Hausa e os substituiu por emires Fulani que governavam um estado Islâmico, o Califado Sokoto. Este califado cobria a maior parte do norte da atual Nigéria, assim como grandes partes do que hoje é Níger e Camarões.
Lorde Lugard, nomeado Alto Comissário Britânico do norte da Nigéria em 1900, optou por governar através das estruturas de governo Islâmico existentes - os emires de Sokoto - como um meio de evitar conflitos, mesmo enquanto o sul da Nigéria permanecia sob o domínio direto Britânico. O caráter Islâmico do norte da Nigéria foi assim preservado.
Tensão e perseguição
Este caráter Islâmico é a principal fonte de perseguição anticristã na Nigéria. Muitos ataques violentos contra Cristãos acontecem no Cinturão Médio, onde Cristãos e Muçulmanos são praticamente iguais em número. Estas tensões remontam ao plano Britânico de conceder à Nigéria independência como uma entidade única, concretizando a visão de Lugard de uma “união forçada de casamento” entre o norte e o sul.
O norte Muçulmano se opôs inicialmente à independência da Nigéria, temendo o estabelecimento de uma nação Cristã. Por sua vez, os Cristãos do norte estavam preocupados com as tentativas dos líderes Muçulmanos de afirmarem o caráter Islâmico do norte em resposta. Estas preocupações pareciam se concretizar quando Ahmadu Bello, Primeiro Ministro do norte da Nigéria (1954-66), se autodenominou Apóstolo do Islã e declarou que seu objetivo era a conversão dos não Muçulmanos.
Os temores Muçulmanos do domínio Cristão não se concretizaram - a política passou a ser dominada pelo Islamismo do norte, demonstrado pela adesão plena da Nigéria à Organização para a Cooperação Islâmica (então conhecida como a Organização da Conferência Islâmica) em 1986. Burkina Faso, Mali e Níger também são membros.
Em 1999, o governador do estado de Zamfara, Ahmad Sani Yerima, anunciou a implementação da sharia (lei Islâmica). No final de 2000, 11 outros estados do norte também haviam adotado a sharia. Em alguns estados, as punições da sharia incluem flagelação ou amputação - ou mesmo a pena de morte, por exemplo, em casos de blasfêmia. Em teoria, a sharia só deveria ser aplicada à população Muçulmana, mas a minoria Cristã muitas vezes se sente compelida a obedecer.
Estas questões continuam a provocar divisões na política Nigeriana. É esperado que os candidatos presidenciais escolham um vice-presidente da outra comunidade religiosa; entretanto, o candidato do Congresso de Todos os Progressistas (APC da sigla em Inglês) à eleição presidencial de 2023, Bola Tinubu, um Muçulmano, anunciou no início deste ano Kashim Shettima, outro Muçulmano, como seu candidato. O chamado bilhete Muçulmano-Muçulmano causou uma onda de choque na política Nigeriana, e foi denunciado pela Associação Cristã da Nigéria como “uma declaração de guerra”.
Extremismo Islâmico
Em maio de 2022, uma estudante Cristã no Estado Sokoto, Deborah Samuel, foi apedrejada até a morte por uma multidão de extremistas Muçulmanos depois de ser acusada de fazer “comentários depreciativos” sobre Maomé, o profeta do Islã, em uma mensagem de WhatsApp. Os agressores então atearam fogo em seu corpo. Quando duas prisões foram feitas em conexão com o assassinato, os Muçulmanos se revoltaram, atacando edifícios de igrejas.
A violência da comunidade contra os Cristãos nos estados do norte e no Cinturão Médio é resultado da influência cultural do Islã. Nessas regiões, as escolas e universidades são dominadas pelo Islã, as oportunidades de emprego para não-Muçulmanos são limitadas e os pregadores de ódio nas esquinas e nos mercados denunciam os Cristãos como infiéis que ameaçam o Islã. Meninas Cristãs são sequestradas e forçadas a se converterem ao Islã. As autoridades fazem pouco.
“Não há direitos para os Cristãos no norte”, diz um contato do Barnabas na Nigéria. Alguns Cristãos adotam nomes Muçulmanos na tentativa de sobreviver em uma sociedade Islâmica. Outros sentem que não têm outra escolha a não ser ir embora.
Terrorismo Jihadi
O Islamismo tem raízes profundas na África Ocidental. Na década de 1970, a Liga Muçulmana Mundial - financiada pela Arábia Saudita - distribuiu dinheiro no norte da Nigéria, distribuindo literatura Islamista, criando escolas Islâmicas e oferecendo bolsas de estudo para universidades religiosas na própria Arábia Saudita. Em 1978, esta campanha levou à fundação da Sociedade Izala (Sociedade de Remoção de Inovação e Restabelecimento da Sunnah).2
O movimento Izala estava comprometido com o Wahhabismo - uma ideologia Saudita que busca uma forma mais “pura” do Islã. Com isso, continua sendo praticamente impossível alcançar uma posição ou um cargo no norte da Nigéria sem vínculos com a Izala. Uma figura chave na ascensão da Izala foi Abubakar Mahmud Gumi, que argumentou (alinhado com a sharia) que os Muçulmanos nunca deveriam aceitar a regra de um não-Muçulmano - um argumento que ajudou a persuadir os estados do norte a adotarem a sharia depois que um Cristão, Olusegun Obasanjo, tornou-se presidente em 1999.
Outra figura-chave na Izala foi Ahmed Idris Nasreddin, um empresário da Eritreia altamente bem-sucedido baseado em Jos, Estado Plateau, que com a ajuda dos Irmãos Muçulmanos Egípcios canalizou fundos da Nigéria para várias causas Islâmicas, inclusive para Osama Bin Laden e Al Qaeda, antes e depois do 11 de setembro.
O movimento Izala forneceu a base ideológica e financeira para a ascensão do Boko Haram, o grupo militante Islâmico que se originou em Maiduguri, no nordeste da Nigéria. O Boko Haram ganhou atenção internacional após o sequestro de mais de 270 alunas de Chibok, no Estado Borno, em 2014.
O Boko Haram prometeu fidelidade ao EI em 2015, mas se dividiu no ano seguinte com uma seção formando o ISWAP (da sigla em Inglês) e um movimento Boko Haram separado, permanecendo independente do EI. Após a morte do líder do Boko Haram Abubakar Shekau em junho de 2021, no entanto, relatos indicaram que alguns combatentes do Boko Haram estavam dando sua lealdade (bay’a) ao EI.
Grupos terroristas também estão ativos em Burkina Faso, Mali e Níger, incluindo o Al Qaeda no Magrebe Islâmico (AQMI), o Grupo de Apoio ao Islã e aos Muçulmanos (Jama’a Nusrat al Islam wa al Muslimeen - JNIM sigla em Árabe) e o Estado Islâmico no Grande Saara (EIGS). Todos os três têm raízes no Grupo Salafista para a Pregação e o Combate da Argélia, e têm se beneficiado do tráfico ilegal de armas e explosivos saqueados da Líbia desde a queda de Muammar Gaddafi em 2011.
As fronteiras entre os países desta região são porosas, e pouco respeitadas pelos jihadistas. O Boko Haram, por exemplo, fez ameaças e lançou ataques violentos contra Cristãos no Níger, no Camarões e no Chade a partir de sua fortaleza no nordeste da Nigéria.
Os grupos Islâmicos detêm uma grande autoridade no Sahel ocidental devido à fraqueza dos governos nacionais. Em um passado recente, por exemplo, a AQMI, tem controlado as áreas do norte de Mali, incluindo a cidade de Timbuktu no período de em 2012-13. Mali está sob maior risco de insurgência Islâmica desde a retirada dos soldados Franceses em agosto de 2022.
Extremismo Fulani
Muitas invasões e ataques violentos contra Cristãos no Cinturão Médio Nigeriano são conduzidos por extremistas Fulani. Os Fulani são um grupo tribal de maioria Muçulmana, a maioria dos quais vive na África Ocidental - há estimados 13 milhões de Fulani na Nigéria, mais outros quatro milhões em Burkina Faso, Mali e Níger. O Califado de Sokoto foi governado pelos Fulani.
Embora nem todos os Muçulmanos Fulani sejam extremistas, há muitas gangues Islâmicas Fulani operando no norte e no Cinturão Médio da Nigéria. Estes são frequentemente pecuaristas, que procuram terra para seu gado, e lançam ataques contra comunidades Cristãs de agricultores em áreas rurais de Estados como Kaduna e Plateau. A dinâmica deste conflito entre pecuaristas e agricultores levou alguns observadores - incluindo figuras políticas na Nigéria e no Ocidente - a descartar a situação como simplesmente uma disputa por terra.
Isto, no entanto, não leva em conta que são lançados ataques contra as comunidades Cristãs, e raramente ou nunca contra as comunidasdes Muçulmanas. E também ignora que os extremistas muitas vezes atacam os cultos e reuniões da igreja - os aldeões Cristãos na Área de Governo Local do Estado Kajuru, do Estado Kaduna, por exemplo, mudaram seu culto dominical para as 7 da manhã por razões de segurança, apenas para serem surpreendidos por homens armados que começaram seu ataque alguns minutos depois do início do culto. A narrativa do agricultor-pecuarista também ignora as ligações ideológicas e logísticas que os extremistas Fulani têm com o EI e o Boko Haram, além dos movimentos Islâmicos mais distantes.
Em março de 2022, um relatório - de coautoria da Baronesa Cox, uma patrona do Ajuda Barnabas - concluiu que “o crescimento do extremismo Islâmico através do Sahel” está por trás do aumento do extremismo Fulani.
Um encorajamento e um exemplo
Em uma edição recente de sua publicação oficial al-Naba, o EI convocou Muçulmanos de todo o mundo a migrarem para países Africanos como parte de uma campanha para Islamizar o continente. Em uma campanha com cartazes, o EI se vangloria de ter matado 190 Cristãos e queimado 13 edifícios de igrejas em todo o continente entre junho e julho de 2022, como parte do que eles chamaram de sua “Colheita de Cristãos Africanos”.
A violência contra os Cristãos na Nigéria aumentou rapidamente - desde 2015, estima-se que 10.000 crentes tenham sido mortos por Islamistas. A violência Islâmica também está aumentando no Sahel, tendo 2022 como o ano de maior mortalidade registrada tanto em Burkina Faso quanto em Mali. A retirada das tropas Francesas do Mali e o bilhete Muçulmano-Muçulmano na Nigéria ameaçam desestabilizar ainda mais esta vasta região, criando um vácuo para que o Islamismo floresça e prospere.
O Cristianismo é de longe o mais forte no sul da Nigéria, mas é um local onde as igrejas podem cair na influência do chamado evangelho da prosperidade, uma mensagem de saúde material e riqueza que deixa os crentes mal preparados para o sofrimento e concentrados na busca de status individual e sucesso. Além disso, o evangelho da prosperidade parece confirmar na mente dos críticos a ligação entre o Cristianismo e o Ocidente acumulador e individualista.
No entanto, as igrejas da Nigéria e do Sahel ocidental estão cheias de crentes que têm muito a ensinar ao Ocidente sobre como permanecer fiel através do sofrimento, respondendo sabiamente às circunstâncias adversas e louvando a Deus mesmo no meio de inimigos. Além disso, sempre há relatos de igrejas crescendo e mais pessoas se voltando para o Senhor. Que o testemunho de nossos irmãos e irmãs da África Ocidental continue a ser um encorajamento e um exemplo.
2 A Sunnah são as palavras e ações do profeta Islânico Maomé que são vistas pelos Muçulmanos como um modo de vida no qual eles devem modelar suas próprias vidas
3 A frase “Boko Haram” significa literalmente “livros são proibidos”, e é entendido como “a educação Ocidental é proibida”. O nome oficial do grupo é Jama’atu Ahl as-Sunnah li-Da’awati wal-Jihad (Gropo do Povo Sunita para o Chamado e a Jihad)
4 Grupo de Apoio ao Islã e aos Muçulmanos