A penas 10 versículos. Apenas 121 palavras.1
Se o Sermão do Monte (Mateus 5-7) é o coração do ensino radical de Jesus, então as Bem-Aventuranças (Mateus 5.3-12) são o coração desse coração. Elas descrevem as atitudes interiores de um seguidor de Cristo, atitudes que dão frutos nas ações exteriores descritas no restante do Sermão do Monte.
A palavra “bem-aventurança” significa um estado de felicidade suprema. A maioria das Bíblias em Inglês começa essas declarações de Jesus com a palavra “blessed” (abençoado), mas, em muitos aspectos, “happy” (feliz) é uma tradução mais clara.2 A palavra original no Novo Testamento em Grego era makarios, que significava um tipo de alegria divina, uma alegria segura que não pode ser abalada pelas circunstâncias. É uma alegria que ninguém pode nos tirar, como Jesus prometeu a Seus discípulos cerca de três anos depois, pouco antes da crucificação (João 16.22).
Certamente, Jesus não estava falando Grego quando ensinou Seus discípulos naquele monte. Ele estava falando Aramaico, então provavelmente usou uma expressão Aramaica comum, iniciando cada declaração com ashere. Essa era uma exclamação que poderíamos traduzir como “Ó a bem-aventurança de...” ou “Ó a felicidade de...” Isso mostra que a alegria que nos é prometida é para agora. Não se trata de um vislumbre da glória futura, mas de algo que já começou (e que se tornará pleno e completo no céu). As alegrias que Jesus descreve não são um belo conto de fadas para se suspirar; elas são a vida real para os seguidores de Cristo.
Essa pequena passagem (Mateus 5.3-12) tem sido analisada de várias maneiras. Alguns a veem como nove bem-aventuranças, uma para cada declaração que começa com “Bem-aventurados os”, mas, com mais frequência, ela é vista como oito bem-aventuranças, sendo a última mais longa (v. 10-12). J. Oswald Sanders as divide em quatro qualidades pessoais passivas seguidas de quatro qualidades sociais ativas.3
G. Campbell Morgan considera que Jesus está descrevendo uma felicidade sétupla relacionada ao caráter, um caráter que resultará em perseguição, razão pela qual Jesus acrescenta a oitava bem-aventurança sobre suportar o sofrimento.4 Alguns apontaram um fluxo lógico, cada bem-aventurança sendo um passo em direção à próxima.
A análise não tem muita importância. O importante é o que Jesus disse.
G.K. Chesterton escreveu sobre o sermão como um todo,
Na primeira leitura do Sermão do Monte, você sente que ele vira tudo de cabeça para baixo, mas na segunda vez que o lê, descobre que ele coloca tudo no lugar certo. Na primeira vez que o lê, você sente que é impossível, mas na segunda vez, você sente que nada mais é possível.5
Logo no início, há três bem-aventuranças que, para o mundo, parecem ser um absurdo paradoxal: elas valorizam o que o mundo despreza e buscam o que o mundo se esforça para evitar. Parecem afirmar que a felicidade pode ser encontrada na pobreza, na tristeza e na impotência.
A maioria das pessoas está em busca da felicidade, mas geralmente a encontram de maneira ilusória. Sua sede não pode ser saciada, ou não por muito tempo. A satisfação logo desaparece, deixando um vazio doloroso. Há apenas o vazio e uma solidão que permeia tudo. O desejo de prazer da humanidade moderna levou a um abismo do qual parece não haver escapatória. Pois a felicidade verdadeira e duradoura não é encontrada nos lugares onde as pessoas tendem a buscá-la: dinheiro, prazer, poder e status. Agostinho estava certo quando disse que nosso coração está inquieto até que descanse em Deus. A verdadeira alegria só pode ser encontrada em um relacionamento com Jesus Cristo.
Infelizmente, muitos setores da Igreja moderna estão imitando a sociedade secular e abraçando inadvertidamente seus ideais, causando a perda dessa realidade espiritual, a perda da vida interior, a perda do poder do Espírito Santo e, acima de tudo, a perda do próprio Jesus Cristo. Esse tem sido um problema para a fé Cristã ao longo dos tempos. A primeira carta de Paulo aos Coríntios ilustra quão rapidamente e quão longe os Cristãos podem se afastar da realidade de Cristo ao abraçar os valores do mundo.
A perseguição sempre foi a peneira e o purificador da fé que manteve os crentes apegados ao seu abençoado Senhor Jesus. Esses são os que “venceram [Satanás] pelo sangue do Cordeiro e pela palavra do testemunho que deram; diante da morte, não amaram a própria vida”. (Apocalipse 12.11)
As bem-aventuranças são o coração do coração do ensinamento de Jesus. Seus seguidores desfrutarão de uma felicidade abençoada se modelarem suas vidas de acordo com Ele, mesmo que isso pareça sem sentido para o mundo.
Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o reino dos céus. (Mateus 5.3)
A primeira bem-aventurança é o alicerce sobre o qual todas as outras são construídas. Ela se refere aos pobres de espírito, ou seja, aqueles que reconhecem sua necessidade espiritual. São as pessoas que sabem que não têm nada a oferecer a Deus, que nem a riqueza, nem o conhecimento, nem a família, nem a nacionalidade, nem o temperamento natural e a personalidade têm valor diante do Senhor. Poderíamos traduzir as primeiras palavras como: “Ó a felicidade daqueles que sabem que são espiritualmente inadequados!”
A palavra Grega usada aqui para “pobre” significa destituído, como um mendigo. Em um contexto espiritual, essa pobreza cria total dependência de Deus - e é aqui que se encontra a alegria total.
Pobreza, inadequação e destituição soam muito pouco atraentes aos olhos do mundo. Isso não deveria nos surpreender. Pode-se dizer que a pobreza de espírito marca a linha divisória entre aqueles que seguem a Cristo e aqueles que não o seguem. “Não há declaração mais perfeita da doutrina da justificação somente pela fé” do que a primeira bem-aventurança, diz o Dr. Martyn Lloyd-Jones, explicando que essa bem-aventurança deve vir no início da lista porque
não há como entrar no reino dos céus, ou no reino de Deus, sem isso. Não há ninguém no reino de Deus que não seja pobre de espírito. Essa é a característica fundamental do Cristão e do cidadão do reino dos céus, e todas as outras características são, de certa forma, o resultado dessa característica.6
TEssa bem-aventurança não tem nada a ver com riqueza material ou falta dela. Em outro lugar, Jesus ensina que não devemos nos apegar a bens materiais.7 No entanto, uma pessoa rica pode ser pobre de espírito - Abraão e Jó são exemplos - e uma pessoa pobre pode ter um espírito orgulhoso e autossuficiente, afastando-a de Deus.
Os primeiros ouvintes de Jesus podem ter entendido essa distinção melhor do que os leitores modernos do Sermão do Monte. Ser pobre e não ter recursos, portanto, impotente, consequentemente, precisando confiar totalmente em Deus, são conceitos incluídos nas palavras Hebraicas/Aramaicas para “pobre”. Pobreza, humildade e desamparo estavam todos juntos. Alguém que não tinha nada só podia buscar a ajuda de Deus.
A promessa feita àqueles que são pobres de espírito, ou seja, a todos os Cristãos, é o reino dos céus. A mesma promessa é repetida na última bem-aventurança, com uma série de outras promessas entre elas.
O reino dos céus (ou o reino de Deus, como também é chamado no Novo Testamento) é o reino de Deus no coração e na vida de Seu povo. O Reino de Deus é uma sociedade divina em que a vontade de Deus é feita perfeitamente, assim como no céu (Mateus 6.10). Seus cidadãos sabem que estão vazios e não têm nada; eles só podem confiar e obedecer ao Rei.
Ó a felicidade daqueles que percebem que, espiritualmente, não têm nada e são completamente dependentes de Deus.
Bem-aventurados os que choram, porque eles serão consolados. (Mateus 5.4)
Essa bem-aventurança é provavelmente ainda mais desconcertante para o mundo do que a primeira, pois seu significado básico é “Ó felicidade daqueles que são infelizes!”
Assim como a primeira bem-aventurança usou a palavra Grega mais forte para “pobre”, a segunda também usa a palavra Grega mais forte para “luto”, descrevendo uma manifestação apaixonada de pesar por um ente querido perdido. Nesta bem-aventurança, entretanto, o significado principal não é tristeza por causa de um luto ou outros problemas pessoais, mas tristeza por três outras causas.
Em primeiro lugar, há uma tristeza desesperadora por nosso próprio pecado, indignidade e fracasso espiritual, sabendo que isso entristece o Espírito Santo. Essa tristeza decorre naturalmente do fato de sermos pobres de espírito. É a atitude de Isaías quando ele viu o Senhor no templo e clamou: “Ai de mim! Estou perdido! Pois sou um homem de lábios impuros e vivo no meio de um povo de lábios impuros” (Isaías 6.5).
Essa é a tristeza piedosa que opera “um arrependimento que leva a salvação” (2 Coríntios 7.10). É a tristeza do “coração quebrantado e contrito” (Salmo 51.17) que Deus não despreza. Pelo contrário, Ele tira o nosso luto e nos dá o óleo da satisfação (Isaías 61.3, NRSV). Somos consolados pelas muitas promessas de perdão que preenchem Sua Palavra e a alegria da salvação nos é restaurada (Salmo 51.12).
De fato, a alegria da salvação é uma felicidade que não podemos experimentar verdadeiramente até que tenhamos sentido a tristeza da convicção de nossos pecados, uma tristeza tão profunda e sincera que nos leva ao arrependimento. Isso acontece não apenas no momento em que entregamos nossa vida a Jesus, que morreu para tirar nossos pecados. Também acontece repetidamente ao caminharmos com Ele pelo resto de nossa vida terrena. Se formos honestos ao examinarmos a nós mesmos, encontraremos pecados de pensamento, palavra e ação todos os dias, pecados que nos fazem lamentar quando os confessamos em oração e simultaneamente nos alegrar, pois sabemos que fomos perdoados.
Em segundo lugar, há a tristeza que surge ao termos nosso coração partido pelo sofrimento que vemos no mundo ao nosso redor. Chorar com os que choram (Romanos 12.15) é ser como nosso Senhor Jesus, que chorou com os amigos e parentes enlutados de Lázaro, mesmo sabendo que o ressuscitaria para a vida novamente (João 11.11,33-35).
Às vezes, há um motivo a mais para chorar pelos outros - não apenas o sofrimento deles, mas também o pecado que o causou. No livro de Lamentações, Jeremias derrama seu coração e vemos que ele está tomado por uma dupla tristeza: (1) o sofrimento de seu povo que foi levado para o exílio na Babilônia após a queda de Jerusalém e (2) os pecados de seu povo que causaram sua ruína nas mãos de Deus. Seis séculos depois, Jesus chorou sobre a mesma cidade e pelos mesmos dois motivos: sua obstinação em pecar e o sofrimento que isso traria a eles (Lucas 19.41-44).
Em terceiro lugar, Richard Chenevix Trench descreve um luto que surge “de um sentimento de exílio aqui, de nossa separação do verdadeiro lar de nossos espíritos, de um anseio pelo Sabbath eterno”.8 Essa também é uma tristeza incluída na promessa de conforto e alegria.
Jesus promete que aqueles que choram dessa forma encontrarão uma felicidade superlativa em Deus.
Essa tristeza é uma tristeza interior, entre cada um de nós e nosso Senhor. Não há nenhum sentido nessa bem-aventurança de que os Cristãos devam ser melancólicos e mal-humorados com as pessoas ao seu redor. Embora nunca tenhamos lido sobre Jesus rindo, Ele certamente fez os outros rirem com Suas imagens bem-humoradas de tábuas de madeira em nossos olhos ou camelos sendo enfiados em agulhas. Ele foi a festas de casamento e se certificou de que houvesse bastante vinho bom (João 2.1-10). De fato, Ele foi criticado por desfrutar dos prazeres normais da vida (Mateus 11.19).
Essa tristeza é uma tristeza interior, entre cada um de nós e nosso Senhor. Não há nenhum sentido nessa bem-aventurança de que os Cristãos devam ser melancólicos e mal-humorados com as pessoas ao seu redor. Embora nunca tenhamos lido sobre Jesus rindo, Ele certamente fez os outros rirem com Suas imagens bem-humoradas de tábuas de madeira em nossos olhos ou camelos sendo enfiados em agulhas. Ele foi a festas de casamento e se certificou de que houvesse bastante vinho bom (João 2.1-10). De fato, Ele foi criticado por desfrutar dos prazeres normais da vida (Mateus 11.19).
Devemos nos entristecer com nossos próprios pecados, com o sofrimento e os pecados de outras pessoas e ansiar pelo nosso lar celestial, mas o conforto de Deus nos dá uma alegria inexprimível.
Bem-aventurados os mansos, pois eles receberão a terra por herança. (Mateus 5.5 ARA)
Na terceira bem-aventurança, precisamos novamente superar o obstáculo da língua para entender o que Jesus está realmente dizendo. Mansidão não é fraqueza nem humilhação. Trata-se de impotência voluntária em nossos relacionamentos com outras pessoas. Tem a ver com força controlada. Ao mesmo tempo, tem a ver com gentileza, capacidade de ensino e profunda humildade. É algo parecido com aquele fruto do Espírito muito subestimado, o domínio próprio (Gálatas 5.23), mas ainda melhor, pois a pessoa mansa não é tão autocontrolada quanto controlada por Deus.
A palavra Grega é praus, que também é usada para animais domesticados ou para domar um cavalo. Um crente manso é como o jumentinho no qual Jesus entrou em Jerusalém (Marcos 11.1-7). Embora o jumentinho nunca tivesse sido montado antes e fosse de se esperar que tentasse derrubar qualquer pessoa sentada nele, ele preferiu se submeter ao controle de Jesus. Uma pessoa mansa quer tomar o jugo de Jesus, como um boi, e aprender com Ele (Mateus 11.29).
A mansidão não exclui a ira justa. O antigo filósofo Grego Aristóteles definiu praotes (mansidão) como o meio-termo entre raiva demais e raiva de menos. Uma pessoa mansa não reage com raiva a insultos ou injúrias feitas a si mesma, mas pode ficar justamente irada com o sofrimento dos outros ou com um insulto ao Senhor.
Moisés é descrito como a pessoa mais mansa da Terra (Números 12.3 ARA, às vezes traduzido como o mais humilde), mas sabemos que ele, às vezes, ficava muito zangado (Êxodo 11.8; 32.19). Jesus expulsou os cambistas e comerciantes dos pátios do Templo com um chicote (João 2.13-16).
A promessa para os mansos é que eles herdarão a terra. Essa é a última coisa que se pode esperar, humanamente falando, para aqueles que não são assertivos em seu próprio nome, que não reivindicam seus direitos, que se tornam servos de todos. Seria de se esperar que essa pessoa sucumbisse como presa do jogo de poder e das conspirações de outros. No entanto, essa é uma promessa que remonta a um dos salmos de Davi:
Porque ainda por pouco tempo, e os perversos não existirão mais; sim, tu considerarás diligentemente o seu lugar, e ele não haverá mais. Mas os mansos herdarão a terra; e se deleitarão na abundância da paz. (Salmo 37.10-11 BKJ)
Uma pessoa que é verdadeiramente mansa está sempre satisfeita e contente, como se fosse dona do mundo inteiro. Paulo disse aos Coríntios que não tinha nada, mas possuía tudo (2 Coríntios 6.10). Ele também disse a eles que “todas as coisas são de vocês, seja Paulo, seja Apolo, seja Pedro, seja o mundo, a vida, a morte, o presente ou o futuro; tudo é de vocês” (1 Coríntios 3.21-22) e que um dia eles julgariam o mundo (1 Coríntios 6.2).
Há grande alegria para os mansos e humildes que deixam de lado seus próprios direitos e procuram servir aos outros.
No reino dos céus de cabeça para baixo, os que se exaltarem serão humilhados e os que se humilharem serão exaltados (Lucas 1.52; 14.11), os primeiros serão os últimos e os últimos serão os primeiros (Mateus 20.16), os tristes serão felizes e os mansos herdarão a terra.
1 Na tradução Nova Versão Internacional
2 É confuso que a palavra Inglesa “happy” tenha suas raízes há mais de 500 anos na palavra do Inglês Médio “hap” que significa “boa sorte”, o que sugere uma alegria dependente das circunstâncias. Isso é exatamente o oposto do que Jesus está ensinando aqui. As nuances e os matizes de significado que a palavra perdeu há meio milênio não devem ser aplicados a ela agora. Ela deve ser entendida simplesmente como felicidade em seu significado cotidiano do século XXI.
3 J. Oswald Sanders, The World’s Greatest Sermon (O Maior Sermão do Mundo)(London: Marshall, Morgan and Scott, 1972), pp.24,30.
4 G. Campbell Morgan, An Exposition of the Whole Bible, Chapter by Chapter in One Volume (Uma Exposição de Toda a Bíblia, Capítulo por Capítulo em um Volume)(Grand Rapids MI, Fleming H. Revell, 1959) p.410.
5 Quoted in Sanders, The World’s Greatest Sermon (O Maior Sermão do Mundo), p.22.
6 Martyn Lloyd-Jones, Studies in the Sermon on the Mount (Estudos sobre o Sermão do Monte), Vol.1. (London: Inter-Varsity Fellowship, 1959) p.42.
7 Por exemplo, Mateus 6.19-21,24-33; 19.16-30.
8 Richard Chenevix Trench, Exposition of the Sermon on the Mount, drawn from the Writings of St. Augustine with Observations (Exposição do Sermão do Monte, extraída dos Escritos de Santo Agostinho com Observações )(London: John W. Parker, 1844), p.8.