Editorial: Cristãos entre os que correm perigo com o fortalecimento da lei de "blasfêmia" pelo governo Paquistanês

27 June 2023

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Este mês faz catorze anos que Aasia Bibi, uma Cristã Paquistanesa e jovem mãe, foi acusada de "blasfêmia" sob a Secção 295-C do Código Penal Paquistanês (PPC, da sigla em Ingles) por supostamente ter profanado o nome de Maomé, o profeta do Islã.

Se essas acusações fossem feitas hoje contra Aasia, ela também seria acusada de terrorismo.

Este é o resultado de um acordo feito no início deste mês entre o governo de coligação Paquistanês e o Tehreek-e-Labbaik Paquistão, um partido Islâmico de oposição, que inclui o reforço das famosas leis de "blasfêmia" no Paquistão.

Aasia Bibi passou quase oito anos no corredor da morte depois de ter sido condenada por "blasfêmia" contra Maomé, o profeta do Islã. Foi absolvida em outubro de 2018. Se Aasia fosse acusada hoje, enfrentaria acusações adicionais de terrorismo

O acordo é muito abrangente, mas as disposições relativas à "blasfêmia" se resumem a três pontos: (1) as pessoas acusadas de fazer comentários "depreciativos" sobre Maomé sob o Código Penal Paquistanês 295-C serão também acusadas ao abrigo da Lei Antiterrorismo do Paquistão (1997); (2) o governo criará um Departamento de Combate à Blasfêmia; (3) os julgamentos das pessoas acusadas de "blasfêmia" serão agilizados.

Cada um destes desdobramentos coloca os Cristãos e outras minorias religiosas em risco crescente.

Acusações adicionais de terrorismo poderão aumentar a probabilidade de execuções por "blasfêmia"

A Secção 295 do Código Penal Paquistanês inclui vários artigos - por exemplo, a 295-B estipula a prisão perpétua para quem " deliberadamente profanar, danificar ou dessacralizar" o Alcorão ou um trecho do Alcorão.

É o artigo 295-C que se centra na profanação do nome de Maomé, e são os acusados desta forma de "blasfêmia" que também se verão confrontados com acusações de terrorismo.

Ainda não é claro quais as acusações de terrorismo que serão aplicadas, mas a Lei Antiterrorismo do Paquistão já inclui a "Proibição de atos intencionais ou suscetíveis de incitar o ódio partidário". A punição para esta infração é uma pena máxima de cinco anos de prisão, juntamente com uma multa não especificada.

No papel, portanto, as acusações adicionais de terrorismo podem significar pouco. A pena por "blasfêmia" contra Maomé já é - de acordo com uma decisão do Tribunal Constitucional de 1991 - a morte.

No entanto, a pena de morte por "blasfêmia" nunca foi aplicada. Várias pessoas foram condenadas à morte - incluindo Aasia Bibi, que passou quase oito anos no corredor da morte antes de ser absolvida - mas ninguém foi executado.

O perigo das acusações adicionais de terrorismo é que a caracterização dos condenados por "blasfêmia" como terroristas pode constituir uma motivação para as autoridades Paquistanesas finalmente aplicarem a pena de morte. Atualmente, dez Cristãos Paquistaneses estão presos, condenados à morte por "blasfêmia". O número total de pessoas no corredor da morte por "blasfêmia" não é conhecido, mas, em 2021, a Comissão dos EUA para a Liberdade Religiosa Internacional estimou que eram cerca de 40.

Cristãos enfrentarão as consequências

As outras duas partes deste acordo - a aceleração dos julgamentos por "blasfêmia" e a criação de um Departamento de Combate à Blasfêmia - aplicam-se a todas as pessoas acusadas de qualquer forma de "blasfêmia" sob o Código Penal Paquistanês na Secção 295.

Em maio de 2023, outro Cristão, Noman Masih, foi sentenciado à morte sob a falsa acusação de ter mostrado imagens ofensivas de Maomé, o profeta do Islã, no seu telefone

 

A pressa dos processos de "blasfêmia" colocará os acusados em desvantagem, afirma Sohail Habel, um ativista dos direitos humanos sediado em Lahore. O prazo mais curto prejudicará a capacidade dos suspeitos e dos seus advogados de elaborarem uma defesa (em contrapartida, a acusação precisa de pouco tempo para desenvolver o seu caso, uma vez que as alegações de "blasfêmia" são frequentemente reconhecidas pelo seu valor nominal, principalmente pelos tribunais de primeira instância).

Embora o atual processo demorado possa ser angustiante para os acusados e para as suas famílias, existe uma vantagem, acrescenta Habel - nomeadamente, o fato de que a raiva despertada por uma denúncia de "blasfêmia" entre a comunidade Muçulmana tem oportunidade de se abrandar. No entanto, é provável que os julgamentos imediatos tenham lugar sob uma atmosfera de emoções exacerbadas, criando pressão para que os tribunais emitam sentenças de condenação com maior frequência e colocando os acusados e suas famílias em maior risco de violência popular.

O perigo de um Departamento de Combate à Blasfêmia é que - semelhantemente à ligação com o terrorismo - a sua existência cria a narrativa de que a "blasfêmia" é um problema perigoso que necessita de ação urgente. Além de conduzir a mais acusações, essa narrativa pode também levar a um aumento da incidência de violência popular.

Para os Cristãos e outras minorias religiosas, não é apenas o processo legal que cria problemas. As acusações de "blasfêmia" são implicitamente acreditadas por muitos indivíduos da população Paquistanesa, de maioria Muçulmana. Os acusados, suas famílias e comunidades inteiras podem ser alvo de multidões de extremistas.

Enquanto o anterior governo do Paquistão procurou muitas vezes desencorajar as acusações de "blasfêmia" e a violência popular, este novo acordo serve para encorajar ativamente um processo judicial mais severo e o fanatismo dos extremistas Islâmicos, com os Cristãos entre aqueles que enfrentarão as consequências.

As leis sobre a blasfêmia existem desde 1927, quando o Paquistão fazia parte da Índia, sob domínio Britânico, e foram incorporadas no Código Penal do Paquistão com a fundação do país em 1947. As leis foram reforçadas durante o governo militar do General Zia-ul-Haq ( no cargo de 1978 a 1988), incluindo a introdução da prisão perpétua obrigatória para a profanação do Alcorão (1982) e a opção de uma pena de morte para a profanação do nome de Maomé (1986). Uma decisão posterior do Tribunal Constitucional do Paquistão, que tornou obrigatória a pena de morte por blasfêmia contra Maomé, entrou em vigor em 1991. As leis são frequentemente utilizadas para fazer falsas acusações com o objetivo de resolver ressentimentos pessoais. Os Cristãos e outros não Muçulmanos são especialmente vulneráveis, uma vez que a simples afirmação de certas crenças Cristãs pode ser interpretada como blasfêmia e geralmente os tribunais inferiores favorecem o testemunho dos Muçulmanos, de acordo com a sharia (lei Islâmica).

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